quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

2011

Que eu possa devolver os livros que tomei emprestado. Que eu não peça a devolução dos livros que emprestei. Que eu tenha dúvidas, melhor do que certezas e falir com elas. Que a fé não seja o cartão furado da lotérica. Que eu faça o medo amadurecer em esperança. Que meus amigos desempregados deixem de comprar o jornal pelos classificados. Que a única corrente que use seja a do balanço para embalar minha afilhada. Que a poesia não fique na estante mais escondida das livrarias. Que eu ligue mais para meus irmãos para falar menos dos outros. Que minha próxima mulher possa entender o que nem preciso falar. Que eu possa usar o terno verde varejeira em alguma festa fantasia. Que eu faça fantasia mesmo acordado. Que minhas letras encontrem coerência no conto da vida. Que eu ande de bicicleta para enxergar a cidade diferente. Que eu não fique cobrando para me aliviar do trabalho. Que eu aprenda a guardar segredos sem jurar por Deus. Que eu tenha menos vaidade e mais realidade. Que eu invente mentiras convincentes para deixar as verdades com ciúmes. Que eu perca o pavor de shopping. Que eu não pense na morte antes de dormir. Que eu volte a rezar sem querer. Que eu não tenha receio de ser ridículo. Que eu faça amigos falando do tempo. Que eu pare de fumar. Que os ex-fumantes parem com os sermões. Que eu escreva nos livros o que os livros me escrevem. Que eu possa brincar mais sem contar as horas. Que eu use somente as palavras que tenham sentido. Que eu prove mais comida nas panelas. Que eu cozinhe mais. Que eu aceite os conselhos da loucura. Que transforme a raiva em vontade de me entender. Que o trânsito não seja sauna. Que eu passe a xingar o pai do juiz no estádio. Que meu time não me engane na última hora. Que eu não precise fechar as janelas na sinaleira. Que eu tenha prazer em visitar minha sogra. Que eu arranje uma namorada pra ir na sogra. Que o domingo não termine com o futebol. Que eu possa caminhar a esmo em minha respiração. Que eu me levante de bom humor. Que eu leve a cama até o café. Que o inverno sejam garrafas de vinho. Que o governo seja suficientemente competente para não ser pivô das conversas. Que eu tenha um show de rock no meu aniversário de 35 anos. Que eu não pergunte a uma mulher sua idade ou se está grávida. Que eu repare nas unhas pintadas e nos cabelos mudados de minha próxima mulher, um dia depois, melhorando assim minha média. Que eu não cante em público. Que a eternidade possa sentir saudades da vida.

Que sejamos felizes.

Hello, We are the Stone Temple Pilots

11 de Dezembro. Mais precisamente 23:40, Scott Weilland subiu ao palco do Circo Voador, no RJ.

Hello, we are the Stone temple pilots, diz o maior frontman dos últimos tempos do Rock n'roll. Já assisti ele, quando ainda era o vocalista da Banda Velvet Revolver. Sei do que tô falando. Acreditem. A expulsão do Velvet, há dois anos, lhe fez bem. Enquanto o supergrupo com integrantes do Guns n" roses empacou, ele lançou ainda um álbum solo e trouxe de volta o STP. Toda a banda, aliás, está com um gás renovado, o que garantiu mais uma daquelas noites épicas de rock em que o Circo Voador foi o principal coadjuvante.

Platéia abaixo e Crackerman, seguida de Wicked Garden e Vasoline. É, eles não estavam de brincadeira. Três socos na boca do estômago de cara, pro delírio do público e, também, pra ganhar logo a parada. 
Coisa de gente grande que sabe direitinho o que está fazendo. Competência até dizer chega.

Com um set list enxuto e nervoso, a banda destilou riffs durante 2 horas num circo voador lotado. Eles tinham sim uma dívida com o Brasil e, creio que eles não sabiam responder, porque nao tinham vindo pra cá antes.

Falando ainda em competência, nenhum desavisado seria capaz de dizer que o STP esteve separado de 2003 a 2008, ano em que se reuniram para apresentações até lançar o último (e homônimo) álbum em 2010. A cozinha formada pelo preciso Eric Kretz (bateria) e pelo pilhadaço (e simpaticíssimo) baixista Robert DeLeo – que fez questão de mandar um belo Garota de Ipanema no bis - mais o incansável Dean DeLeo (parenteses para o Dean DeLeo). Ele não manda bem só na parte rítmica. Um dos cartazes que o público levantou durante o show foi recolhido por Weiland e dizia, em inglês: “não precisamos de outro herói da guitarra”, numa provocação a Slash. DeLeo expressou um carisma forte, em solos firmes e feitos por quem é do ramo. “Still Remains”, por exemplo, que se anuncia um possível mais do mesmo,  ganha uma viagem psicodélica no final de arrepiar. O início de “Intersate Love Song” é também modificado, com a cobertura vocal de Scott Weiland. 

Saldo pessoal: Alma lavada, voz total e irrecuperavelmente rouca durante dias. Feliz, muito feliz. E tinha ainda meus amigos por perto. Parceria total.

Posso dizer que já tive a sorte de assistir alguns grandes shows de rock ao vivo. Esse foi um dos melhores, juntamente com o PJ em 2005 e Faith no More em 2009.


Foi um honesto show de uma banda competente, segura de si e dona de hits excepcionais, que ainda teve o plus de saber se aproveitar disso direitinho.

S. Weiland, tal qual um jogador de futebol após marcar um gol, ao final do concerto, olhou para os céus e fez um sinal da cruz. Teria aquela alma encontrado paz? Better not.