terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A gente leva da vida, a vida que a gente leva


Tom Jobim hoje, teria completado 83 anos. Então, Chega de Saudade.
Nosso maestro faleceu em dezembro de 1994 aos 67 anos. Poderia ter ficado mais um pouquinho por aqui, feito mais músicas e gravado outros discos, mas sua lira fechou a partitura sobre o piano e partiu. Ele ainda nos deixou um acervo de músicas belíssimas que já ficaram para a eternidade. Junto com seu principal parceiro Vinícius de Moraes, Tom compôs suas melhores obras e talvez as mais conhecidas do grande público. O ano de 1958 foi o marco do início da Bossa Nova quando João Gilberto inventou ao violão a tal batida “bossa nova”, a primeira gravação foi na voz de Elizeth Cardoso no disco “Canção do amor demais”; depois veio “Garota de Ipanema” – 1962 esta canção o tornou de fato conhecido internacionalmente, com gravações em vários idiomas. Sugiro o livro "Noites tropicais" de Nelson motta, para entender melhor o que acontecia musicalmente naquela época e especificamente no Rio de Janeiro...

Na sua tragetória nos EUA, quando tentaram associar a Bossa Nova ao jazz, a cantora baiana Astrud Gilberto gravou quase tudo de Tom em inglês. Naquele início da década de sessenta, uma de suas canções foi parar também nas paradas britânicas, era “Desafinado” parceria com Newton Mendonça. Existe um filme sobre a antologia dos Beatles, onde aparece a música “Love me do” chegando às paradas em 17º lugar e logo acima – em 11º lugar - aparece “Desafinado”. 
Em meados de 1964, no auge dos seus 24 anos, Astrud Gilberto, naquela época casada com João Gilberto, colocou “ The Girl from in Ipanema” em 5º lugar na Billboard – a parada da música amerciana: “Tall and tanned and young and lovely / the girl from Ipanema goes walking / and when she passes / he smiles / but she doesn't see / no she doesn't see /she just doesn't see...”. Ao mesmo tempo, seu álbum gravado com o saxofonista Stan Getz era o album de jazz mais vendido nos EUA.

Uma das passagens da carreira de Tom que merece registrar é o encontro com Frank Sinatra. Em 1967 ele recebeu um telefonema de Frank Sinatra dizendo que queria gravar algumas de suas canções. O disco “Albert Francis Sinatra & Antonio Carlos Jobim” foi gravando naquele ano. O curioso é que este disco só perdeu em vendas nos EUA para “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, dos Beatles. Um disco, por sinal, muito díficil de conseguir (triste né?...). Depois da gravação, Sinatra e Tom se tornaram amigos, e naquele mesmo ano Sinatra o convidou para participar de um especial que estava gravando para a rede de televisão NBC. Aquele encontro foi memorável. A organização não deixou que Tom tocasse piano (seu instrumento preferido), pois achava que músico latino só tocava violão, mesmo assim Tom não hesitou e empunhou seu violão para acompanhar Sinatra, inclusive num dueto em “Garota de Ipanema”.

Depois de sua morte lhe quiseram render muitas homenagens, como uma forma de não deixá-lo cair no esquecimento, mas a melhor homenagem seria se as rádios tocassem Tom Jobim diariamente. Hoje Tom virou nome do aeroporto internacional do Rio, antes Galeão. Um certo coronel da aeronáutica queria que o aeroporto tivesse o nome de um oficial da aeronáutica e não de Tom Jobim. Se talvez, um desses "oficiais", tivesse feito uma canção para o Rio como “Samba do Avião”- 1962: “Minha alma canta / Vejo o Rio de Janeiro / Estou morrendo de Saudade...”. Acertou quem deu o nome: Aeroporto internacional Tom Jobim.

Tom merecia esta e muitas outras homenagens. Reconhecedor, bem que o carioca tentou outra homenagem ao mudar o nome da Av. Vieira Souto para Av. Antonio Carlos Jobim, assim seria encontrada pela Rua Vinicius de Moraes no bairro de Ipanema – onde tudo começou, mas a família Vieira Souto questionou na justiça e a Prefeitura teve de recuar, retirar a placa e voltar a Vieira Souto ao seu lugar. A cidade de São Paulo não soube homenageá-lo, colocou seu nome em um túnel. Quanta insensatez – fazendo alusão a uma de suas músicas -, já que Tom era contemplador e defensor da natureza, conhecedor do canto dos pássaros e não havia nada de concreto armado na sua alma.

Chico Buarque tinha por ele mais que admiração e isso foi antes mesmo da primeira parceria em “Retrato em Branco e Preto” – 1967. Eles foram compadres, parceiros musicais e amigos de muitos drinks. Nesta época, Chico ainda deu uma contribuição na construção de “Wave”, é dele o primeiro verso: “Vou te contar...”; depois Tom fez o resto: “os olhos já não podem ver...” No ano seguinte, Tom & Chico selaram de vez a parceria ao concorrer e ganhar o III Festival Inernacional da Canção – FIC com a belíssima “Sabiá”.

Reverências feitas nesta modesto post, só basta agradecer e parabenizar, onde quer que esteja, nosso grande e soberano Maestro Tom Jobim.
Agora, chega de saudade.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Paramédico

Adorava se vestir de branco. Mulato alinhado, meia-idade, sempre que a ocasião pedia um aprumo no visual, metia logo a beca completa, impecável, reluzente de sabão omo, do pisante à camisa de gola engomada. E a sexta-feira, então, essa era sagrada, que há de se respeitar certas coisas, que que há? Por essas coincidências da vida, morava numa travessinha daquela avenida conhecida por concentrar hospitais, clínicas, laboratórios de análises, toda a parafernalha médica. Já viram?

Entrava no táxi, o chofer:

- Troca de plantão, doutor?

No começo, tratava logo de ir esclarecendo, justificando o gosto, sexta-feira e coisa e tal. Com o tempo, foi cansando de muita explicação.

- Nessa época de inverno aumenta muito o movimento, né doutor?
 Meneava a cabeça, sorria, conformado. Se estivesse de muito bom humor, ou quando botava pra dentro aquela caracu com ovo logo no café da manhã, arriscava até o seu sarrinho.
 - Minha mulher tem uma dor no joelho que não sara, doutor.
 - Bolsa de gelo, três vezes por dia.
 - Tou que não me agüento da gastrite...
 - Omeprazol 10 pela manhã.

Dia desses, de poucos amigos, atrasado nos seus quarenta minutos tradicionais, sem caracu pra amaciar, o chofer:

- Pra onde, doutor?
 - Metrô.
 - E essa gripe do porco, hein doutor?
 - Pra você ver...
 - Eu acho que a culpa de tudo é dessa pouca-vergonha, doutor.
 - ...

- Hoje em dia o mundo tá cheio de abominação, valha-me Deus! Homem com homem, mulher com mulher, entra cachorro, cabra, agora até porco!

- Olha, eu não...

-Diga, doutor, o que que eu faço agora, que não tenho nada a ver com a porcaria toda? Máscara, vacina, como é que eu defendo as minhas crianças, doutor?
 - Não sou médico...
 - Médico, enfermeiro, tudo a mesma porcaria também. Até estagiário eu canso de pegar. Não é possível que ninguém vá me ajudar?
 - É que hoje é sexta...
 - Sei, sei, a semana já era, né? Fim de semaninha só na vida boa... Meio-dia de sexta e já tá com a vida ganha! Que mamata, hein?

- Olha aqui, meu chapa...

- Mercenário, como todos. É nessas que vai embora o dinheiro do povo.


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Confusão total no Distrito, três flagrantes pra lavrar, todo mundo se acotovelando na ante-sala da “otoridade”, chofer, passageiro, polícia, testemunha, o cara que bateu atrás. Vem o escrivão:

- Que é que há por aqui?

- Tava na avenida, o cara do táxi meteu o pé no breque...

- Meti o pé, não, esse ignorante é que quis meter a mão na minha cara....

- Eu vi tudo, o doutor aí enfiou a taboca na orelha do motora...

- Enfiou, não, tentou...

- Onde já se viu um médico...


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Cinco horas depois. A calma de volta ao plantão.




- Ôoooo, Denilson... Vai buscar o tal médico que enfiou o pé no peito da testemunha.

Butiquim que se preza


Butiquim que se preza, ninguém sabe o endereço; só sabe chegar.

Butiquim que se preza deve ter razão social e nome fantasia. Mas estes devem ser solenemente ignorados pela clientela, que só se referirá ao estabelecimento pelo genitivo: “bar do Zé”, “buteco do Juca”, "Copo Sujo", etc.

Butiquim que se preza só tem um banheiro, unissex. Mas se tiver mais um, feminino, é imperativo que seja trancado e que a chave fique em poder da mulher do proprietário, responsável pela culinária da bodega.

Butiquim que se preza tem limão e/ou gelo no mictório. Tolera-se a naftalina. Papel higiênico também tem que ser solicitado ao dono da birosca.

Na arquitetura do butiquim que se preza, o balcão é de longe o elemento preponderante. Todos os demais devem estar em função dele.

Butiquim que se preza não serve batata frita, não tem quéti-chupe, nem maionese.

Butiquim que se preza tem vitrine para exibir as iguarias produzidas pela cozinha local. Nesta, deverão estar permanentemente expostos, ao menos: 1) algum ovo de coloração diferente da natural; 2) uma sardinha e/ou lingüiça preparadas minimamente com 24 horas de antecedência.

Cerveja, no butiquim que se preza, é Brahma e/ou Antárctica. Só. Estúpidas.

Vá lá, Caracu.

Butiquim que se preza não vende cerveja de lata, a não ser, em último caso, pra viagem.

Butiquim que se preza tem seus solitários obrigatórios.

Butiquim que se preza tem pinga da casa, purinha, de alambique, de preferência num garrafão azul. Mesmo que abastecido, religiosamente, com a 51 mais ordinária.

Butiquim que se preza não bate sol dentro em nenhuma hora do dia, nenhuma época do ano.

Butiquim que se preza não usa nenhum utensílio descartável, salvo guardanapos.

Em butiquim que se preza, palito é no paliteiro, sal é no saleiro. Parece absurdo?

O repertório de copos do butiquim que se preza se resume ao indefectível americano, o longo e alguma espécie de abaulado, para os tomadores de conhaque.

Todo butiquim que se preza tem o seu tomador de conhaque.

Butiquim que se preza deve ter um cardápio enxuto, necessário e suficiente: os malfadados petiscos de vitrine, que mataram o guarda; rollmops, azeitonas e amendoins. Uma conserva de procedência duvidosa pode eventualmente ser bem vinda. Se servir almoço, prato do dia, mais duas ou três opções no comercial. Mais nada.

Butiquim que se preza todo mundo sabe o nome de todo mundo. Mas ninguém sabe o sobrenome de ninguém.

Butiquim que se preza deve guardar, na freqüência, desproporção de gênero da ordem de 10 para 1. Dez homens pra cada mulher, bem entendido. Mesmo as moscas, preferencialmente devem ser do sexo masculino.

Em butiquim que se preza, tudo se discute. Nada se estabelece.

Butiquim que se preza deve tolerar as manifestações artísticas esporádicas de seus freqüentadores, sejam discretas batucadas de balcão, até ajuntamentos musicais de grandes proporções. Fazer o quê?

Butiquim que se preza tem que ter um dono mal-humorado, tendente a grosso, de preferência português ou espanhol. E se tiver garçom, que seja gentil, discreto e fumante. A visita à cozinha do butiquim que se preza é vivamente desaconselhada.

Butiquim que se preza deve vender, basicamente, além dos birinaites enebriantes e comidas insalubres, gêneros de primeira necessidade como cigarros, fósforos e fichas telefônicas. Não muito mais que isso, para evitar atrair a freqüência demasiada de estranhos ao ambiente do bar.

Butiquim que se preza deve ter televisão com bombril na antena, que será ligada única e exclusivamente nos horários de jogos de futebol envolvendo as agremiações locais ou o Escrete. E olhe lá. 

Em butiquim que se preza, ninguém é “afro-descendente”, “de opção sexual diferenciada”, ou “portador de necessidades especiais”. Preto é preto, crioulo, negão; viado é viado, bicha, perobo. Cego é cego, surdo é surdo, aleijado é aleijado. E os crioulos, viados e aleijados que o freqüentam não se sentem, por isso, ofendidos.

Em butiquim que se preza não se diz “veado”.

Butiquim que se preza deve conter cartazes com ditos edificantes para a educação do povo, tais como “a inveja é uma merda”, “fiado só para maiores de 80 acompanhado dos avós”, que devem figurar ao lado do pôster do time do coração do bodegueiro.

Em butiquim que se preza, nada é proibido. Mas nem tudo é permitido.

(Anônimo carioca)

CAMARÃO NO AZEITE

É simples e bom demais. Tem cara de domingo e foi neste domingo, esse último, que preparei este camarão no azeite, pra acompanhar a cerveja depois de um bom banho de praia.

Há que se ter um peixeiro de confiança, e há que se ter, por perto, um peixeiro no domingo. O camarão, médio, tem de estar fresco, evidentemente. Para 4 pessoas, 1 Kg é o suficiente. Peça ao seu peixeiro para tirar apenas a cabeça ou tire você mesmo, em casa - como eu fiz. Você vai precisar, ainda, de um maço de coentro, limão, sal, pimenta do reino branca e preta moídas na hora, azeite extravirgem, alho, pimenta dedo-de-moça cortada em rodelas e sem as sementes, e um pouquinho de uísque. Anos atrás, fiz um prato com um conhaque que rende histórias até hoje. Mas é pra outro post.

Numa vasilha, ponha os camarões com a casca e já sem as cabeças, e regue-os com suco de limão, salpique sal a gosto, e as pimentas do reino, a branca e a preta, moídas na hora.

Pique alguns dentes de alho em quadradinhos (não vai me espremer o alho!) e separe. Sirva-se de uma cerveja estupidamente gelada. Lamba os beiços. Corte em rodelas, tirando as sementes, duas pimentas dedo-de-moça. Pique o maço de coentro e respire fundo. Absolutamente indizível a sensação que dá o aroma da cerveja gelada misturado ao do coentro picado, das dedo-de-moça, do camarão, do limão...
Tenha, por perto, uma moça. Beije seu dedo, beije sua boca, agradeça a Deus a graça de estar vivo e de ter um amor a seu lado, se este for o seu caso...

Numa frigideira grande, aqueça, de leve, em fogo médio, o azeite extravirgem de modo a cobrir todo o fundo da frigideira. Ao menor sinal de estar quente, vá pondo, de punhado em punhado, os camarões, tomando o cuidado de não deixar camarão sobre camarão. Eles devem, todos, ocupar o fundo da frigideira sem tumulto, se é que me faço entender!

Fique de olho. Camarão passado demais fica borrachudo! Vire-os com cuidado quando sentir que estão ganhando cor. Coloque um bocadinho do alho em quadradinhos sobre eles. Mexa, muito de leve. Coloque, já quase na hora de retirá-los da frigideira, um pouco do coentro e mexe mais, ainda mais de leve.
Muita gente, eu sei, não curte o coentro. Tá na hora de desmistificar isso!

É hora do último passo.
 Jogue sobre os camarões, ainda na frigideira, uma dose de uísque. Aumente o fogo. Risque um fósforo, flambe os camarões e curta o visual da chama alta e o cheiro inebriante que invadirá a cozinha. Com uma escumadeira grande, retire-os do fogo e coloque-os numa travessa. Sobre os camarões, mais coentro.

E sirva-os tendo ao lado um pratinho com as pimentas dedo-de-moça pra quem for do ramo. Tenho uma pimenta aqui, que "pelamordeDeus" ...quem já experimentou, sabe do que estou falando!  
Agora, aquele soninho...zzzzzzz