sexta-feira, 10 de junho de 2011

Aos Amigos, porque é Sexta Feira




Não havia madrugada boêmia em Joinville, sem o lanche do Magrão Lanches, que ficava em frente a boate do Tênis [pausa para saudade deste tempo]. 

Em seus recintos confluíam bêbados de todas as classes sociais. Dava de tudo. Para nós, na época adolescentes cheio de energia, a última tentativa de um "approach", que raramente funcionava, pois a língua já era travada. Enfim. Disse isso, porque era na Sexta feira, que a vida ganhava cor, mais energia, mais risos, mais telefonemas (não havia celular ainda).


Entre brahmas e cubas, a "galera" ia se animando pro embate. Era uma guerra, mas era branca. Era interna. Era eu tentando desde sempre, seduzir o mundo e procurando um lugar pra ser absorvido. Eu tenho saudade. Você também têm. Como dizia Mário Quintana, o tempo não pára! Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo...

Me parece, vendo o dia de hoje, que o entardecer da sexta é o supremo momento da libertação, quando a última luz do poente se esconde por trás do biombo azul da Serra do Mar, que se demonstra a mim agora.


Basta raiar a aurora de uma sexta-feira e a sua exclusiva atmosfera começar a penetrar no ser humano a “comichão” do bem-viver, que se irradia pela pele e que repercute nos lábios sedentos, anunciando o primeiro "gole". Baco tinha razão em suas incursões etílicas. Existe um prazer ao redor do copo, ao redor dos amigos, ao redor do calor humano.


Bom, hoje é um dia pra se beber sem culpa, se assim posso inserir tal afirmação. É certo que os mais “descompromissados” começam bem cedo. Antes do meio-dia, já enforcam o serviço, suspendem as obrigações e estacionam em algum alambique amigo, na orla do mar ou no Mercado público. Pode notar também que [ritual sagrado], onde estiverem, há de ter também o tradicional “golinho” lançado ao chão, para dar de beber aos mestres que já se foram (a xepa dos santos).

Assim como há, na liturgia cristã, o momento certo de erguer o cálice, há na vida “paisana” o momento ideal para fazer a escolha da bebida certa. Era o que também dizia o poeta Vinicius, só que a propósito de mulher:

 - Bonitonas ou bonitinhas, todas têm a sua vez ao longo de 24 horas…

Bebida é igual. E bebida tem muito a ver com a hora e com o dia. É como roupa para a mulher[paro por aqui]. Cada "drink" deve ser servido no copo adequado – e com gelo de máquina, prontinho para ser fotografado para alguma revista colorida.

O gim-tônica, por exemplo. É bebida de verão. Mojito também. E só se deve tomá-lo antes do almoço, e um só, de preferência de frente para o mar, “aos sábados, domingos e feriados”.

Chope também tem hora e estação. É bebida para a primavera-verão. Um “estupidamente-gelado” não combina com o inverno, diante do horror que causaria ao “rito” o cidadão ter que usar luvas para segurar o copo. Num dá né?

Conhaque é bom pra se tomar no Inverno – de preferência com a lareira acesa, antes que nos enrosquemos com nossa “coberta de orelha”, naquele nunca "assaz" repetido exercício que gerou a humanidade. Dia desses escutei "dormir de motoquinha", nada haver com o post, mas eu curti.


Voltando, as bebidas brancas, como o marvada da cachaça, têm lá a sua vez – embora prefira os uísques, de bom caráter e índole (aquele âmbar ao som do chacoalhar do gelo). A vida corre melhor, parece...


E como hoje já é sexta, véspera da glória do sábado, quando o bar vira o lar, ergo um brinde aos filósofos e apóstolos de bar,  a todos estes seres iluminados, figuras míticas de butecos espalhados por aí, que sabem enxergar com extrema lucidez os caminhos da embriaguez.

E como diz o filósofo, vamos pedir a saideira que é pra manter o "desequilíbrio"…

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Aos amigos, Tainha!

...“Sempre havia hospitalidade em todos os lugares.
Se recolhiam as pessoas, quando chegava a noite,
nos engenhos, nas casas das canoas.
Se recebia todo mundo que aparecia por lá.
 
Comida?
Sempre se dava um jeito.
Puxavam-se as redes, e ali muitos peixes.
 
Nos domingos os parentes se visitavam,
iam nas casas dos outros,
as mães vestiam as crianças e iam visitar fulano lá em cima.
Viajavam um quilômetro, dois quilômetros, a pé,
para fazer a visita ou porque estava doente,
ou porque houve casamento, ou porque alguém morreu.
Se nascia, também. Estavam sempre se comunicando.
As pessoas, ao meu ver, eram mais amigas.

(Franklin Cascaes 1908-1983).

 
Talvez Franklin, Talvez. Fico me perguntando por que a modernidade traz consigo certos distúrbios sociais e humanos em forma de herança para nossa sociedade. Sigo com minha opinião que a expansão do sistema capitalista, esse neoliberalismo como ideologia de massa, atrapalha a convivência entre seres humanos, e diminui o calor. Estes dias discutia isso, e escrevendo este post lembrei que foi abordado a questão das culturas antigas e da ideologia. Acho que nossos pais tinham mais ideologias do que temos hoje.

Bom, deixo isso para discussão, pois o principal é exaltar que sempre há tempo de reunir os amigos, compartilhar a companhia e porque não com um bom prato. Daí, me ocorreu a idéia de falar sobre a Tainha, este peixe que dificilmente comemos sozinho, já repararam?...eu não me lembro de tê-lo comprado pra comer só com meus pais ou sozinho... Sempre tem uma galera ao redor do peixe!!!

A Tainha é uma atração e, a pesca uma atração à parte (Sabiam que existem mais de 40 espécies?). A partir da segunda quinzena do mês de maio, placas são fixadas nas praias catarinense informando a proibição da prática do surf em virtude da chegada dos cardumes de tainha. Vinda da Lagoa dos Patos, no estado do Rio Grande do Sul, a tainha sai em busca de águas mais quentes para desovar. De acordo com os pescadores, o horário que a tainha chega à costa é por volta das 4 horas da manhã. É também neste horário que os chamados olheiros ou vigias sobem os costões da praia para observar a chegada e informar aos pescadores que aguardam na praia.
 
Os olheiros geralmente acenam e apontam com um pano o local exato do cardume que se caracteriza por uma grande mancha vermelha. Em média, sete homens aguardam na praia este sinal para colocarem as canoa no mar. Eles ainda esperam que o olheiro, através de apitos, informe a hora exata para iniciar a pesca. São três silvos, até o lançamento das redes. A rede é lançada ao mar e a canoa faz uma volta ao redor do cardume. Somente quando a canoa sai da água que é hora de puxar a rede.

É neste momento que toda ajuda é bem vinda. Pescadores, turistas, pessoas da comunidade ou passantes agarram um pedacinho da rede e em sincronia a puxam para a praia. Nesta modalidade de pesca, chamada artesanal, a rede é produzida pelos próprios pescadores e tem aproximadamente 600 metros. Depois de desenroscar as tainhas da rede, os chamados ajudantes são recompensados com um belo peixe. Pescadores dizem que é possível retirar em um só lance mais de 120 mil tainhas. Como sabemos histórias de pescadores são meio fantasiosas, mas arquivos dos jornais locais de Florianópolis, provam que no ano de 1984 mais de 180 toneladas de tainhas foram pescadas na praia dos Ingleses.

A temporada de pesca da tainha vai até o dia 15 de julho e quem visita Florianópolis nesta época tem o privilégio de observar e participar dessa pratica artesanal milenar e ainda voltar com muitas histórias de pescador para contar. É por lá que mora um grande amigo meu, e se der certo, este ano vou puxar a rede lá nas bandas do Santinho. Quem se habilita? Por enquanto elas ainda estão tímidas, mas tenho certeza que irão dar o ar da graça logo...no mar e na mesa. No blog http://www.tainhanarede.blogspot.com/ , tem atualizações sobre a temporada 2010 da pesca, além de entrevistas com os pescadores, cultura local, receitas e muita informação.

Na região norte de Santa Catarina, também há uma celebração sobre este período de fartura do peixe. A Festa da Tainha, que acontece no Balneário da Barra do Sul, está na sua 16º edição, sempre trazendo atrações musicais diversificadas, além da culinária da região, através de uma praça de alimentação e stands comerciais. Acho que dá pra achar uma tainha defumada por lá (essa iguaria é muito gostosa), então vale a pena conferir. A festa começa dia 22 de junho e vai até dia 26.
 
Esperando por elas, coloco aqui uma receita que fizemos ano passado lá em Canasvieiras, regado a um ensaio de rock n’ roll da melhor qualidade (o repertório pelo menos era, mas a banda criada naquele dia, ainda precisa ensaiar outras vezes...). Você vai precisar de 1 Tainha aberta, suco de 1 limão, sal, alho, manteiga sem sal. Com uma garrafa de vinho tinto aberto, todos os copos cheios, um brinde à vida, à amizade, prepare desta maneira: Abra a tainha rente à espinha dorsal, passe sal e um pouco de manteiga e leve para assar, sempre regando com um molho de suco de 1 limão, sal a gosto e um dente de alho amassado. Regue sempre. Seu copo também sempre cheio do néctar.
 
Um segredo: Para cada palmo da tainha aberta (meça do rabo até a cabeça), asse por 10 minutos (ou seja, uma tainha de 2 palmos deve ficar 20 minutos assando)
 
De acordo com a informação de meu grande amigo Dudu Mira, o Beto do Box 32, comenta que qualquer Merlot combina com a tainha. Mãos à obra na caça do bichinho e sucesso no preparo para a sua turma. Até!





segunda-feira, 16 de maio de 2011

Paella Marinera


Juntar as pessoas ao redor do fogo, tem sido algo milenar. Minhas experiências me atestam, que, quanto mais pessoas houver perto de mim, mais e melhor vou fazer. Foram 20 convidados ilustres nessa reunião e me orgulho do feito que segue. Antecipo o seguinte: Nada de divisão para ingredientes, modo de preparo, essas babaquices que constam das receitas clássicas. Não. Vou tentar imprimir meu "modus operandi" na íntegra, com a precisão que me é peculiar. (modéstia)
Quem me lê, sabe. Cozinhar é antes de tudo, um ritual. E o ritual começou no dia anterior, sexta à noite, no encontro com os ingredientes. A competente Tânia, da peixaria Oliani, me ajudou a selecionar cada ingrediente, dentro de uma discussão quase técnica, sobre sabores, métodos e texturas. 
Selecionei 2kgs de camarão com casca (casca é para o caldo); 15 camarões pistolas, 1kg de mariscos frescos; 1kg de lula em anéis; 1kg de mariscos com a casca; 1kg de polvo limpo; 1kg de Lagostins; 1kg de peixe em posta (Meca, Dourado, Garoupa, Cherne - o que tiver na sua banca de peixe).
Os temperos são sempre essenciais. Usei um maço de cheiro verde, uma cabeça de alho, 2 cebolas inteiras, 5 tomates maduros, 2 pimentões (amarelo e vermelho), o açafrão (essencial na visualização do prato), sal e pimenta a gosto, talos de salsão, 5 folhas de louro e 4 cravos (estes três últimos para o caldo).
 
Sábado de manhã, bem cedo, capturei todos os ingredientes na geladeira. Uma parada para uma carona e papos agradáveis no caminho; nosso destino era o Canto Grande.

Depois de todos os atores do prato estarem devidamente cortados e temperados [você fará isso usando limão, sal e pimenta à gosto e no olho], separei uma boa frigideira para esquentar o óleo.
Ah, a casca do camarão, foi passado na água corrente, e posta na panela, juntando as folhas de louro, os cravos e uma colher de sal e uma colher de sobremesa de pimenta. Foi pra fervura do caldo..
Atenção, é preciso que esteja estendido no seu ombro direito, um pano de prato. Não é superstição, nem mandinga, é prático mesmo e ajuda um bocado.
Comecei os trabalhos, certificando-me que havia um copo de chopp bem gelado ao meu lado. Sim, Cozinheiro também bebe. Primeiro fritei os cubos de peixe, até ficarem tenros e levemente brancos. Reservei.  Depois, os camarões pistolas (um alho vai bem junto aos camarões), que reservei para o Gran finale. O polvo e as lulas, durante 5 minutos. Reservei. Em seguida os mexilhões (vulgo marisco) e os camarões. Reservei todos num lugar só, assim já economizei tuperware, agua e sabão. Um dado importante. Música ajuda no desempenho. Um ipod/ipobre é boa pedida, ainda mais se estiver tocando um bom Led Zeppelin. O Álbum, Houses of the holy. A música, The Ocean.
Fritei, em óleo de oliva, os pimentões em tiras, durante uns 5 minutos. Eles são usados para a decoração, no final. Em paralelo, junte outra panela, com bastante água para cobrir os lagostins e, adicionando 3 colheres de sal, após a fervura, coloque os lagostins por 10 minutos. Retire-os então e reserve. Na mesma água, mergulhe os mexilhões com casca, por 5 minutos e retire. Eles também entram na reta final do prato. Au concour matters.
Acabou o chopp? - estende o braço e pede outro. O Cozinheiro manda. Aprendi isso. Tendo toda a primeira parte pronta, ou seja, organizada, é hora de tirar a paella (sim, é paella, o nome da panela), e colocar no fogo. Um gole expressivo do chopp e começei, sobre um óleo quente dispejando a cebola e o alho, inundando o ambiente com aquele cheiro ai-jesus, que o refogado proporciona...
10 minutos após o cuidado com o refogado, reduzido, coloquei um pouco do chopp na paella, adicionei os tomates (previamente limpos, sem sementes e a casca), na paella, mexendo por mais 10 minutos, até sentir o molho consistente. Adicionei então 1 ¹/² Kg de arroz parboilizado, num sentido de cruz (tipo rezando pra dar certo mesmo...) e espalhei uniformemente na paella, mexendo durante uns 3 minutos. Assim o arroz incorpora de forma rápida e eficiente os aromas do refogado. É hora de colocar o caldo. Cubri a paella com o caldo e deixe levantar a primeira fervura.
Nesse momento, você mesmo, se serve do chopp e socializa sem pressão com os convidados. É hora das piadinhas e dos pitacos. Sempre acontece. Quem cozinha, acostuma rápido.
Adicionei na panela agora, o açafrão (ponha duas colheres ao redor da paella, e mexa para distribuir). Verifiquei o aroma, a infusão de cheiros na panela e com olho clínico, acertei a homogeinidade do prato.
10 a 15 minutos depois, sentindo o arroz al dente e o tempero, mais que perfeito, é hora de voltar todos os frutos-do-mar na paella. Cada um foi temperado e fritado no seu habitat e, a resposta a isso tudo é uma seleção de sabores ímpar.
Mexa bem esta mistura, assim como eu fiz, e adicione ervilhas, vagens ou uma seleta de legumes ( aqueles pacotes que você encontra congelado no supermercado). Provei novamente o gosto - mais um gole de chopp -, e começei a contemplar o legado. Vai ficar bom, pensei. E ficou.
Assim que o caldo baixar, começe a finalizar o prato. Coloque os lagostins, dispostos ao longo da paella, juntamente com os camarões pistolas. Os mariscos com cascas vão bem de decoração ao longo da paella e no meio. Adicionei os pimentões, o cheiro verde, e alguns fios de óleo de oliva. Tenha uma pimenta da boa, na manga, para oferecer aos convidados. A minha apavorou.
Descansei eu por 5 minutos e o prato também. Ficou pronto. Não sobrou. Acho que aprovou.

sábado, 12 de março de 2011

O Raio do Piano


Faço agora algo arriscado: indicar um livro que ainda não terminei de ler - e que não é ficção e tampouco reportagem... Mas é que este fascinante Alucinações musicais - relatos sobre a música e o cérebro, do psiquiatra inglês Oliver Sacks (Companhia das Letras), impõe-se como exceção, estudo ao mesmo tempo clínico e apaixonado [espiritual?] de casos raríssimos da mente humana, descritos sob prosa primorosa para leitura de quem, como eu, não sabe discernir lobo temporal de lobo das montanhas...

São relatos fabulosos, surpreendentes - de nos mostrar as infinitas possibilidades do cérebro, com ou sem distúrbios previamente identificados, e de como a música pode estimulá-lo a estados emocionais até então insuspeitados, ou ainda evocar memórias antes dadas por perdidas.

Um exemplo notável, talvez o mais pertubador do livro: o sujeito adulto - muito pouco musical, definição própria - que, vítima de um raio, desenvolve compulsão por música de piano e se torna ele mesmo talentoso pianista.

 
Imperdível.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Luto não é para IMORTAIS.


Muito teria para escrever, porém, tão pouco ainda para dizer desta pessoa agradabílissima (tive a oportunidade de estar ao seu lado por 10 segundos).
Apenas 10 segundos, mas é assim, um tempo que pode mudar sua vida. Foi de um trato humano. Impressionante.
Durante alguns dias, deixarei uma série de homenagens ao escritor gaúcho Moacyr Scliar, morto hoje, dia 27 de fevereiro de 2011, será deixado aqui, para a posteridade[Imortal tal qual o escritor].

Por ora, e, por ele, apenas leio.


Os Projetos na Gaveta

Todos temos, em nossas gavetas, uma pasta com fragmentos de papel em que garatujamos algo que poderia ser a fórmula de nossa felicidade.

Tenho, numa gaveta, uma pasta de cartolina na qual escrevi Ideias. Seu conteúdo: folhas de papel, dos mais variados tamanhos e formatos, incluindo bloquinhos de anotações de hotel, convites para eventos e lançamentos de livros (um destes de minha autoria), folhetos de propaganda. Em todas essas folhas há algo rabiscado: as ideias. Ideias para contos, ideias para crônicas, ideias para livros até. Ideias em profusão, ideias que ao longo do tempo me iam ocorrendo e que eu, como tantos que escrevem, anotava para posteriormente desenvolvê-las. O que, na imensa maioria dos casos, nunca aconteceu. E isso por várias razões.Para começar, em muitos casos não consigo entender o que escrevi. Em parte isso resulta da famosa letra de médico, uma situação que, a propósito, não deixa de ser intrigante: de onde viria essa fama de clássica ilegibilidade? Da pressa com que os doutores, sempre lutando com a falta de tempo, escrevem? Ou seria uma curiosa manifestação de poder, tipo “decifra-me ou te devoro”, como dizia a esfinge na história de Édipo? Ou simples desleixo? Mistério, mas de qualquer maneira, uma questão à parte, mesmo porque, além desse componente, digamos, profissional, pesavam as circunstâncias em que as mensagens eram escritas: num carro sacolejante, por exemplo. Ou no meio da noite, os olhos fechando de sono.

Como se isso não bastasse, mesmo legíveis, as anotações revelam-se crípticas, misteriosas. Citando ao acaso: “A frase no sonho”, “Inventário das dores”, “Catastróficos e deslumbrados”, “Ator morre antecipando a morte”, “Se Deus se materializasse”, “História do cirurgião que inventa uma operação maravilhosa”, “Foi melhor assim”.

Vamos ficar só com estas duas últimas. “História do cirurgião que inventa uma operação maravilhosa”. Que operação seria essa? Que doença ela curava, que problema resolvia? E o que acontecia, então?
Perguntas intrigantes. Mas “Foi melhor assim” é, em matéria de enigma, ainda pior. “Foi melhor assim” – o quê? De que fala, essa frase? A quem se refere? Que história ela resume?

Todas estas anotações têm uma coisa em comum: são projetos que não decolaram. Por quê? Porque não tinham em si próprios a carga criativa suficiente para impô-los a seu próprio autor? Porque tornaram-se incompreensíveis?
 Estas coisas envolvem um grau de mistério que não é pequeno. E aludem a esse aspecto característico da condição humana: todos temos sonhos não realizados, objetivos não atingidos. Todos temos, em nossas gavetas, uma pasta com fragmentos de papel em que garatujamos apressadamente algo que certamente poderia ser a fórmula de nossa própria felicidade. Ah, se ao menos lembrássemos o que ali escrevemos. Se ao menos entendêssemos nossa própria letra.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Smiths section





Ele continuará free-lancer

Elas têm sempre de absorver o pior.

William está calejado. Não mais se deslumbra com a beleza das moças, embora lhes dê a chance de surpreendê-lo. E elas surpreendem. Estão sempre aquém do pouco que ele espera. As morenas da praia fumam maconha; as da academia vêem BBB; as patricinhas trocam a academia pela maquiagem; as intelectualizadas trocam a academia pelos pêlos; as balzaquianas - logo elas - são terrivelmente inseguras; as bem-sucedidas perdem toda a molecagem; as médicas e engenheiras nada sabem para além de medicina e engenharia; as mais belas, quando muito, têm uma amiga mais simpática, inteligente e feia; e todas - numa doce ilusão de personalidade -, ainda acham que os homens têm de gostar delas como elas são.

William não bebe e não fuma. Ele gosta de Rock. É até difícil para os outros entenderem, como ele gosta de rock e não bebe. Acaba por contrariar a ordem idiota das coisas hoje em dia, de acordo com o qual só se pode transitar em determinado grupo uma vez que se absorvam dele também os vícios. E sua vida amorosa é o testemunho diário da incapacidade das morenas (loiras, ruivas, mulatas, albinas...) de contrariar a ordem bocó das coisas. De cada tribo, elas têm sempre de absorver o pior, diz ele.

Dá vontade, mas não: William pensou até em se trancar em casa e conversar apenas com as orelhas de seus livros. Dá vontade, mas não, ele não quer ser um daqueles chatos eruditos que “leram até ficarem burros”, como escreveu Schopenhauer. Se a solidão vivifica, o isolamento paralisa e esteriliza. E, sendo assim, por todas as tribos, ele está por ai; se mistura atrás de um morena que o transcenda.

Agora, no verão, ele é figurinha fácil nas festinhas pop da cidade. Onde houver espaço e matéria prima abundantes para as suas divagações, apesar do absurdo preço da garrafa d’água a 6 reais. Sua função é manter a sobriedade em meio à histeria desta sociedade deturpada e, ele leva sua função à frente, ao pé da letra. O único gargalo admissível para o álcool, ele diz, é o lábio suculento de uma morena transcendental. De preferência: de vestidinho amarelo e flores no cabelo. Só não sabe ele o que veio primeiro: se foi o estilo “vestida a vácuo”, ou se foi o vácuo mental produzido pelas Ladies Gaga da cultura pop. O certo é que o traje predominante nas baladinhas da cidade nunca lhe pareceu tão coerente.

Se as moças se vestem com um tantinho mais de naturalidade no universo diurno das baladas, isto se deve tão somente à inclemência do Sol - o melhor estilista do universo. Porque basta entrar no facebook de cada uma, ele diz, para se dar conta do tamanho do monstro que elas podem se tornar à noite. Amoldadas pela moda e pelas tribos para caber em roupas e perfis que, segundo Willian, só emagrece seus espíritos, elas hoje, cada vez mais cedo, colocam saltos, batons, cigarros, peitos e drogas na mesma sacola de supermercado, e saem cantando alegremente: “Rah, rah, ah, ah, ah/ Roma, roma, ma/ Gaga, ooh la la/ Want your bad romance”. Ufa, diz Willian. Estranho seria se elas quisessem um “good romance”.

E os amigos, por incrível que pareça, compreendem sua tragicomédia. Não o chamam de preconceituoso, nem rancoroso, muito menos arrogante. Acham, ao contrário, que Willian tem tudo para encontrar a morena transcendental nos blocos ou festinhas pop da cidade. Das duas, uma (ou duas): ela estará linda e radiante, nos braços de um maridão de dois neurônios; ou tão completa e graciosa quanto só a distância pode assegurar. Dizem que o destino de Willian é a paixão mortal pela mulher do próximo (do próximo homem, do próximo país ou do próximo planeta); Que a tribo de Willian tende a ser a dos titios, que vão descendo de geração em geração até levarem toco das filhas dos amigos. E eles já deixaram claro: nenhum quer Willian como genro.

Willian simplesmente ignora. Não discute sobre Carlotas e Lolitas, com quem não leu Machado nem Nabokov. No fundo, ele e todos desejam apenas uma “amável pessoa, que, não obstante as formalidades e o ar gracioso daqueles com quem se relaciona, conserva muita inteligência”. (Ok, ele admite: tem de ser gostosa). Há tempos, descobrira no livro do mundo que “a inteligência é afrodisíaco, enquanto a artificialidade causa repulsa”. Mais vale uma mulher de alma sempre aberta ao aprendizado, do que outra irremediavelmente viciada nas condutas e opiniões de sua tribo. Antes uma canária do que uma pavoa.

Transitar em diversos meios, lugares, épocas (e morenas), absorvendo o melhor de cada, sempre foi a sua filosofia. E, enquanto estas mulheres tiverem o sincero e provinciano desejo de se tornar um estereótipo, dizem as boas línguas, que ele se manterá free-lancer.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A gente leva da vida, a vida que a gente leva


Tom Jobim hoje, teria completado 83 anos. Então, Chega de Saudade.
Nosso maestro faleceu em dezembro de 1994 aos 67 anos. Poderia ter ficado mais um pouquinho por aqui, feito mais músicas e gravado outros discos, mas sua lira fechou a partitura sobre o piano e partiu. Ele ainda nos deixou um acervo de músicas belíssimas que já ficaram para a eternidade. Junto com seu principal parceiro Vinícius de Moraes, Tom compôs suas melhores obras e talvez as mais conhecidas do grande público. O ano de 1958 foi o marco do início da Bossa Nova quando João Gilberto inventou ao violão a tal batida “bossa nova”, a primeira gravação foi na voz de Elizeth Cardoso no disco “Canção do amor demais”; depois veio “Garota de Ipanema” – 1962 esta canção o tornou de fato conhecido internacionalmente, com gravações em vários idiomas. Sugiro o livro "Noites tropicais" de Nelson motta, para entender melhor o que acontecia musicalmente naquela época e especificamente no Rio de Janeiro...

Na sua tragetória nos EUA, quando tentaram associar a Bossa Nova ao jazz, a cantora baiana Astrud Gilberto gravou quase tudo de Tom em inglês. Naquele início da década de sessenta, uma de suas canções foi parar também nas paradas britânicas, era “Desafinado” parceria com Newton Mendonça. Existe um filme sobre a antologia dos Beatles, onde aparece a música “Love me do” chegando às paradas em 17º lugar e logo acima – em 11º lugar - aparece “Desafinado”. 
Em meados de 1964, no auge dos seus 24 anos, Astrud Gilberto, naquela época casada com João Gilberto, colocou “ The Girl from in Ipanema” em 5º lugar na Billboard – a parada da música amerciana: “Tall and tanned and young and lovely / the girl from Ipanema goes walking / and when she passes / he smiles / but she doesn't see / no she doesn't see /she just doesn't see...”. Ao mesmo tempo, seu álbum gravado com o saxofonista Stan Getz era o album de jazz mais vendido nos EUA.

Uma das passagens da carreira de Tom que merece registrar é o encontro com Frank Sinatra. Em 1967 ele recebeu um telefonema de Frank Sinatra dizendo que queria gravar algumas de suas canções. O disco “Albert Francis Sinatra & Antonio Carlos Jobim” foi gravando naquele ano. O curioso é que este disco só perdeu em vendas nos EUA para “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, dos Beatles. Um disco, por sinal, muito díficil de conseguir (triste né?...). Depois da gravação, Sinatra e Tom se tornaram amigos, e naquele mesmo ano Sinatra o convidou para participar de um especial que estava gravando para a rede de televisão NBC. Aquele encontro foi memorável. A organização não deixou que Tom tocasse piano (seu instrumento preferido), pois achava que músico latino só tocava violão, mesmo assim Tom não hesitou e empunhou seu violão para acompanhar Sinatra, inclusive num dueto em “Garota de Ipanema”.

Depois de sua morte lhe quiseram render muitas homenagens, como uma forma de não deixá-lo cair no esquecimento, mas a melhor homenagem seria se as rádios tocassem Tom Jobim diariamente. Hoje Tom virou nome do aeroporto internacional do Rio, antes Galeão. Um certo coronel da aeronáutica queria que o aeroporto tivesse o nome de um oficial da aeronáutica e não de Tom Jobim. Se talvez, um desses "oficiais", tivesse feito uma canção para o Rio como “Samba do Avião”- 1962: “Minha alma canta / Vejo o Rio de Janeiro / Estou morrendo de Saudade...”. Acertou quem deu o nome: Aeroporto internacional Tom Jobim.

Tom merecia esta e muitas outras homenagens. Reconhecedor, bem que o carioca tentou outra homenagem ao mudar o nome da Av. Vieira Souto para Av. Antonio Carlos Jobim, assim seria encontrada pela Rua Vinicius de Moraes no bairro de Ipanema – onde tudo começou, mas a família Vieira Souto questionou na justiça e a Prefeitura teve de recuar, retirar a placa e voltar a Vieira Souto ao seu lugar. A cidade de São Paulo não soube homenageá-lo, colocou seu nome em um túnel. Quanta insensatez – fazendo alusão a uma de suas músicas -, já que Tom era contemplador e defensor da natureza, conhecedor do canto dos pássaros e não havia nada de concreto armado na sua alma.

Chico Buarque tinha por ele mais que admiração e isso foi antes mesmo da primeira parceria em “Retrato em Branco e Preto” – 1967. Eles foram compadres, parceiros musicais e amigos de muitos drinks. Nesta época, Chico ainda deu uma contribuição na construção de “Wave”, é dele o primeiro verso: “Vou te contar...”; depois Tom fez o resto: “os olhos já não podem ver...” No ano seguinte, Tom & Chico selaram de vez a parceria ao concorrer e ganhar o III Festival Inernacional da Canção – FIC com a belíssima “Sabiá”.

Reverências feitas nesta modesto post, só basta agradecer e parabenizar, onde quer que esteja, nosso grande e soberano Maestro Tom Jobim.
Agora, chega de saudade.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Paramédico

Adorava se vestir de branco. Mulato alinhado, meia-idade, sempre que a ocasião pedia um aprumo no visual, metia logo a beca completa, impecável, reluzente de sabão omo, do pisante à camisa de gola engomada. E a sexta-feira, então, essa era sagrada, que há de se respeitar certas coisas, que que há? Por essas coincidências da vida, morava numa travessinha daquela avenida conhecida por concentrar hospitais, clínicas, laboratórios de análises, toda a parafernalha médica. Já viram?

Entrava no táxi, o chofer:

- Troca de plantão, doutor?

No começo, tratava logo de ir esclarecendo, justificando o gosto, sexta-feira e coisa e tal. Com o tempo, foi cansando de muita explicação.

- Nessa época de inverno aumenta muito o movimento, né doutor?
 Meneava a cabeça, sorria, conformado. Se estivesse de muito bom humor, ou quando botava pra dentro aquela caracu com ovo logo no café da manhã, arriscava até o seu sarrinho.
 - Minha mulher tem uma dor no joelho que não sara, doutor.
 - Bolsa de gelo, três vezes por dia.
 - Tou que não me agüento da gastrite...
 - Omeprazol 10 pela manhã.

Dia desses, de poucos amigos, atrasado nos seus quarenta minutos tradicionais, sem caracu pra amaciar, o chofer:

- Pra onde, doutor?
 - Metrô.
 - E essa gripe do porco, hein doutor?
 - Pra você ver...
 - Eu acho que a culpa de tudo é dessa pouca-vergonha, doutor.
 - ...

- Hoje em dia o mundo tá cheio de abominação, valha-me Deus! Homem com homem, mulher com mulher, entra cachorro, cabra, agora até porco!

- Olha, eu não...

-Diga, doutor, o que que eu faço agora, que não tenho nada a ver com a porcaria toda? Máscara, vacina, como é que eu defendo as minhas crianças, doutor?
 - Não sou médico...
 - Médico, enfermeiro, tudo a mesma porcaria também. Até estagiário eu canso de pegar. Não é possível que ninguém vá me ajudar?
 - É que hoje é sexta...
 - Sei, sei, a semana já era, né? Fim de semaninha só na vida boa... Meio-dia de sexta e já tá com a vida ganha! Que mamata, hein?

- Olha aqui, meu chapa...

- Mercenário, como todos. É nessas que vai embora o dinheiro do povo.


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Confusão total no Distrito, três flagrantes pra lavrar, todo mundo se acotovelando na ante-sala da “otoridade”, chofer, passageiro, polícia, testemunha, o cara que bateu atrás. Vem o escrivão:

- Que é que há por aqui?

- Tava na avenida, o cara do táxi meteu o pé no breque...

- Meti o pé, não, esse ignorante é que quis meter a mão na minha cara....

- Eu vi tudo, o doutor aí enfiou a taboca na orelha do motora...

- Enfiou, não, tentou...

- Onde já se viu um médico...


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Cinco horas depois. A calma de volta ao plantão.




- Ôoooo, Denilson... Vai buscar o tal médico que enfiou o pé no peito da testemunha.

Butiquim que se preza


Butiquim que se preza, ninguém sabe o endereço; só sabe chegar.

Butiquim que se preza deve ter razão social e nome fantasia. Mas estes devem ser solenemente ignorados pela clientela, que só se referirá ao estabelecimento pelo genitivo: “bar do Zé”, “buteco do Juca”, "Copo Sujo", etc.

Butiquim que se preza só tem um banheiro, unissex. Mas se tiver mais um, feminino, é imperativo que seja trancado e que a chave fique em poder da mulher do proprietário, responsável pela culinária da bodega.

Butiquim que se preza tem limão e/ou gelo no mictório. Tolera-se a naftalina. Papel higiênico também tem que ser solicitado ao dono da birosca.

Na arquitetura do butiquim que se preza, o balcão é de longe o elemento preponderante. Todos os demais devem estar em função dele.

Butiquim que se preza não serve batata frita, não tem quéti-chupe, nem maionese.

Butiquim que se preza tem vitrine para exibir as iguarias produzidas pela cozinha local. Nesta, deverão estar permanentemente expostos, ao menos: 1) algum ovo de coloração diferente da natural; 2) uma sardinha e/ou lingüiça preparadas minimamente com 24 horas de antecedência.

Cerveja, no butiquim que se preza, é Brahma e/ou Antárctica. Só. Estúpidas.

Vá lá, Caracu.

Butiquim que se preza não vende cerveja de lata, a não ser, em último caso, pra viagem.

Butiquim que se preza tem seus solitários obrigatórios.

Butiquim que se preza tem pinga da casa, purinha, de alambique, de preferência num garrafão azul. Mesmo que abastecido, religiosamente, com a 51 mais ordinária.

Butiquim que se preza não bate sol dentro em nenhuma hora do dia, nenhuma época do ano.

Butiquim que se preza não usa nenhum utensílio descartável, salvo guardanapos.

Em butiquim que se preza, palito é no paliteiro, sal é no saleiro. Parece absurdo?

O repertório de copos do butiquim que se preza se resume ao indefectível americano, o longo e alguma espécie de abaulado, para os tomadores de conhaque.

Todo butiquim que se preza tem o seu tomador de conhaque.

Butiquim que se preza deve ter um cardápio enxuto, necessário e suficiente: os malfadados petiscos de vitrine, que mataram o guarda; rollmops, azeitonas e amendoins. Uma conserva de procedência duvidosa pode eventualmente ser bem vinda. Se servir almoço, prato do dia, mais duas ou três opções no comercial. Mais nada.

Butiquim que se preza todo mundo sabe o nome de todo mundo. Mas ninguém sabe o sobrenome de ninguém.

Butiquim que se preza deve guardar, na freqüência, desproporção de gênero da ordem de 10 para 1. Dez homens pra cada mulher, bem entendido. Mesmo as moscas, preferencialmente devem ser do sexo masculino.

Em butiquim que se preza, tudo se discute. Nada se estabelece.

Butiquim que se preza deve tolerar as manifestações artísticas esporádicas de seus freqüentadores, sejam discretas batucadas de balcão, até ajuntamentos musicais de grandes proporções. Fazer o quê?

Butiquim que se preza tem que ter um dono mal-humorado, tendente a grosso, de preferência português ou espanhol. E se tiver garçom, que seja gentil, discreto e fumante. A visita à cozinha do butiquim que se preza é vivamente desaconselhada.

Butiquim que se preza deve vender, basicamente, além dos birinaites enebriantes e comidas insalubres, gêneros de primeira necessidade como cigarros, fósforos e fichas telefônicas. Não muito mais que isso, para evitar atrair a freqüência demasiada de estranhos ao ambiente do bar.

Butiquim que se preza deve ter televisão com bombril na antena, que será ligada única e exclusivamente nos horários de jogos de futebol envolvendo as agremiações locais ou o Escrete. E olhe lá. 

Em butiquim que se preza, ninguém é “afro-descendente”, “de opção sexual diferenciada”, ou “portador de necessidades especiais”. Preto é preto, crioulo, negão; viado é viado, bicha, perobo. Cego é cego, surdo é surdo, aleijado é aleijado. E os crioulos, viados e aleijados que o freqüentam não se sentem, por isso, ofendidos.

Em butiquim que se preza não se diz “veado”.

Butiquim que se preza deve conter cartazes com ditos edificantes para a educação do povo, tais como “a inveja é uma merda”, “fiado só para maiores de 80 acompanhado dos avós”, que devem figurar ao lado do pôster do time do coração do bodegueiro.

Em butiquim que se preza, nada é proibido. Mas nem tudo é permitido.

(Anônimo carioca)

CAMARÃO NO AZEITE

É simples e bom demais. Tem cara de domingo e foi neste domingo, esse último, que preparei este camarão no azeite, pra acompanhar a cerveja depois de um bom banho de praia.

Há que se ter um peixeiro de confiança, e há que se ter, por perto, um peixeiro no domingo. O camarão, médio, tem de estar fresco, evidentemente. Para 4 pessoas, 1 Kg é o suficiente. Peça ao seu peixeiro para tirar apenas a cabeça ou tire você mesmo, em casa - como eu fiz. Você vai precisar, ainda, de um maço de coentro, limão, sal, pimenta do reino branca e preta moídas na hora, azeite extravirgem, alho, pimenta dedo-de-moça cortada em rodelas e sem as sementes, e um pouquinho de uísque. Anos atrás, fiz um prato com um conhaque que rende histórias até hoje. Mas é pra outro post.

Numa vasilha, ponha os camarões com a casca e já sem as cabeças, e regue-os com suco de limão, salpique sal a gosto, e as pimentas do reino, a branca e a preta, moídas na hora.

Pique alguns dentes de alho em quadradinhos (não vai me espremer o alho!) e separe. Sirva-se de uma cerveja estupidamente gelada. Lamba os beiços. Corte em rodelas, tirando as sementes, duas pimentas dedo-de-moça. Pique o maço de coentro e respire fundo. Absolutamente indizível a sensação que dá o aroma da cerveja gelada misturado ao do coentro picado, das dedo-de-moça, do camarão, do limão...
Tenha, por perto, uma moça. Beije seu dedo, beije sua boca, agradeça a Deus a graça de estar vivo e de ter um amor a seu lado, se este for o seu caso...

Numa frigideira grande, aqueça, de leve, em fogo médio, o azeite extravirgem de modo a cobrir todo o fundo da frigideira. Ao menor sinal de estar quente, vá pondo, de punhado em punhado, os camarões, tomando o cuidado de não deixar camarão sobre camarão. Eles devem, todos, ocupar o fundo da frigideira sem tumulto, se é que me faço entender!

Fique de olho. Camarão passado demais fica borrachudo! Vire-os com cuidado quando sentir que estão ganhando cor. Coloque um bocadinho do alho em quadradinhos sobre eles. Mexa, muito de leve. Coloque, já quase na hora de retirá-los da frigideira, um pouco do coentro e mexe mais, ainda mais de leve.
Muita gente, eu sei, não curte o coentro. Tá na hora de desmistificar isso!

É hora do último passo.
 Jogue sobre os camarões, ainda na frigideira, uma dose de uísque. Aumente o fogo. Risque um fósforo, flambe os camarões e curta o visual da chama alta e o cheiro inebriante que invadirá a cozinha. Com uma escumadeira grande, retire-os do fogo e coloque-os numa travessa. Sobre os camarões, mais coentro.

E sirva-os tendo ao lado um pratinho com as pimentas dedo-de-moça pra quem for do ramo. Tenho uma pimenta aqui, que "pelamordeDeus" ...quem já experimentou, sabe do que estou falando!  
Agora, aquele soninho...zzzzzzz